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Especial mara de São Paulo da Notcom – a mara da “fartura”

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NÃO FAZ MUITO SENTIDO CORRER MARATONAS. O juiz voador Iberê Dias já explicou neste post que a prova é uma cretinice fisiológica. É bem verdade que seu recorde pessoal para a distância, 2:44, o fez correr os 42K em pace quase queniano de 3:53.

Eu teria falido nos 10% iniciais.

O que explica a vontade de empilhar maratonas no currículo, mais ou menos como troféus de campeonatos de futebol de várzea, na minha opinião, é uma espécie de tara.

Dotado dessa capacidade esportiva que está longe de ser excepcional mas deixa tanta gente admirada, o sujeito logo termina um 42K e começa a pensar no outro.

Não fujo à regra.

Esse desejo irrefreável de completar maratonas é o que este pasquim chama de fetiche.

Para mim o maratonista é o maior fetichista que existe. Se os alfinetes do número de peito não a perfurassem, roupa de vinil dos pés à cabeça seria o que os corredores usariam nos 42K da prova.

Risquei mais um traço na parede do meu café burlesque ao completar domingo passado minha oitava maratona, a problemática 25ª edição da mara de São Paulo organizada pela empresa Notcom.

Caso você queira conhecer o que aconteceu nas outras sete, toma: a primeira, São Paulo, Notcom; a segunda, idem, ibidem; a terceira, Hawke’s Bay, Nova Zelândia; quarta, Rio, Senegal; quinta, Mizuno Uphill Rio do Rastro; sexta, Uberlândia; sétima, só de raiva, Uphill de novo.

Voltando à mara de domingo. Foi, sob todos os aspectos, uma prova bastante pobre do ponto de vista do entretenimento. As razões já foram declinadas por este pasquim neste post e por muitos corredores neste outro.

(Por outro lado, nas entrevistas suadas, houve corredor que até elogiou a organização.)

Isto posto, sem mais embromação, abro agora meu coração tinto de bradicardia e digo o que vi e vivi durante as 3:48:06, caso a cronometragem oficial esteja correta, pelas ruas de São Paulo naquela mara.

Mas como tratou-se de uma prova farta –fartou música, fartou traslado, fartou espaço na feira, fartou isotônico para quem gosta de isotônico, este relato é um não relato. Um relato das coisas, digamos, que não aconteceram.

Não houve incidentes até a chegada da prova. Troquei o metrô e o táxi pelo carro próprio, e não vi nenhuma colisão acontecer à minha frente, como acontecera na minha primeira mara de São Paulo.

Também, acredito – e espero –, não ter tomado multa alguma por infringir a velocidade regulamentar na rua Heitor Penteado, como quando me dirigia à última SP City, da Iguana, prova que acabei por não correr. A meia mara no ano anterior dessa mesma Iguana, sim, e o número de peito caiu em algum lugar dos 21K, o que me deu bastante material narrativo.

Não vi muitas mulheres na prova, o que me impossibilitou até de gravar uma “suada” feminina lá pelo último terço da prova. Os resultados exibidos pelo site oficial da prova indicam 563 concluintes mulheres. Mas pode haver uma pequena distorção aí.

Seja como for, menção muito honrosa para a concluinte mais experiente, Dalva Lopasso, que encarou 6:23:49 entre a largada no Pacaembu e a chegada pra lá do Empurra-Empurra.

A concentração foi tranquila. Como não havia muita gente, corredores não pularam cercados para se posicionar à frente de seu pelotão de corrida. Havia um digno e simpático controle. Também não houve aquele velho e manjado playlist de músicas que todos os corredores conhecem, White Stripes (ainda!) à guisa de contagem regressiva.

Não havia muito espaço na avenida Pacaembu, e a calçada virou pista de corrida. A muvuca ficou um pouco mais fluida apenas na avenida Ipiranga, já com uns 8K e todo o Minhocão percorrido.

Por falar no Minhocão, foi lá que deixei pra trás São-paulino, o sujeito que corre vestido dos pés à cabeça com o uniforme tricolor, além de carregar a bandeira do time. Ednaldo Alves de Almeida completaria a prova em 4:24:36, bastante bom para seus 43 anos e 42,2K de carregação de pau.

Não se espera nas maras do Brasil que haja torcida, mas alguns caras na frente do Love Story, que ainda formavam fila para entrar na boate lá pelas 7h40 da manhã, não foram, pode-se dizer, empáticos com os corredores.

Mal deu para curtir esse único momento razoavelmente turístico do Centro. A escolha do itinerário por São Luiz, Viaduto 9 de Julho e logo então 23 de Maio blindou a prova do charme daquela região. Charme que o percurso da SP City, que passa por Municipal, Viaduto do Chá e praça da Sé,  não dispensa.

Os 4K pela 23 de Maio não corresponderam à lembrança que eu tinha do percurso por aquela avenida na meia da SP City. O que outrora me pareceu uma subida longa e constante, agora mostrou-se bastante suave. Talvez pelo fato de eu ter preferido correr boa parte do tempo sobre a grama do canteiro central.

No Ibirapuera, as tendas das assessorias esportivas e a muvuca dos concluintes dos 5K, que transcorrera ali, deu alento para quem tinha ligação com as assessorias. Não era meu caso.

Pode ter sido uma miragem, mas Marcos Paulo Reis, o sr. MPR, cumprimentava, com sua intensidade característica, corredores amigos que ele via na virada dos 18K, na saída da República do Líbano.

Não teve “Vai, Curíntia” na entrada do primeiro grande túnel, o Tribunal de Justiça.

Na saída do túnel, a profecia de um céu começando a azular, e, pior, o sol a despontar, não se confirmou.

Estava tudo muito tranquilo pra mim na passagem da meia, no parque do Povo Wasp, mas a tigrada que curte um isotônico logo iria ficar bastante cabreira ao receber no lugar uma barrinha de torrone, ou coisa que o valha.

O isotônico só viria, em copinho descartável, bem depois, no último terço da prova.

Os 7K dentro da USP, meu quintal de corridas e treinos, trouxeram os primeiros pensamentos abortivos. E se eu fizesse uns 37K, os 4K últimos até o caminho de casa, não já estava de bom tamanho?

O plano, se é que dá para chamar isso de plano, foi rejeitado. Mas os 2K defronte ao Jóquei e o quilômetro insalubre dentro do túnel sob o rio Pinheiros não foram lá muito agradáveis do ponto de vista do moral da tropa.

No túnel sob o Pinheiros a iluminação estava em modo apagão do FHC. A organização deveria ter avisado os atletas que isso iria acontecer. Noctófobos podem ter sucumbido ali mesmo. Eu teria pensado seriamente em levar uma carbureteira. Na SP City havia um DJ e seu set de som e luz naquele mesmo espaço.

A cabeça, como havia acontecido nas minhas últimas cinco maras, começou a sugerir misturar trechos de caminhada com corrida. Mas eu já estava no 38K. Mesmo assim aceitei a minha própria sugestão e não corri por cerca de 500 metros. Não me senti o maior dos miseráveis por isso, e voltei então a correr para não parar mais.

Saída do túnel Tribunal de Justiça no 40K foi momento digno de uma apresentação de tai-chi-chuan. Usei bastante as diagonais e o pace Tedinho na Brigadeiro para manter a cavalaria animada.

Nessas horas há sempre gente na rua dizendo “agora é a cabeça”. Como se não fosse antes. Mas de fato precisei de um razoável trabalho de autopersuasão para me convencer de que àquela altura ninguém precisava mesmo parar de correr.

Não houve grande sofrimento nem tampouco epifania, não houve gente a meu lado a agradecer a Deus – aliás, durante a prova não reparei em ninguém ouvindo gospel em volume de trio elétrico –, e os 2K finais me pareceram mais confortáveis do que aqueles vividos em maratonas anteriores.

No pórtico de chegada, o relógio marcando 4 horas revelou-se auspicioso. Isso porque achava que o cronômetro havia sido ligado às 6:40, dez minutos antes da largada. A alegria não duraria 72 horas.

Depois de receber a medalha, constatei que de fato não havia qualquer transporte especial, nem mesmo um bolsão do Uber, tão comum em grandes eventos na cidade, para levar a tigrada de volta ao Pacaembu, ponto de largada.

O diabo é que o carro estava lá, e eu só trajava um cartão de débito, de pouca valia para tomar um ou dois ônibus – e metrô.

Caixas 24 horas também costumam evaporar nessa hora: diversas agências não têm esse serviço aos domingos, aprendi.

Assim, precisei convencer o motorista do busão na Brigadeiro a liberar a passagem pro marmanjão aqui, mas no metrô não tive a mesma sorte.

Poupo o leitor de outros detalhes fiduciários. Digo que da estação Clínicas fui até meu carro caminhando pelas alamedas já não tão arborizadas do cemitério do Araçá.

As pernas estavam bem longe da exaustão vividas pós-mara do Rio – não recomendo quem conclui os 42K da Cité Maravillé as escadarias da estação Siqueira Campos–, e apreciei sem moderação o silêncio local.

Não foi nessa hora que pensei em Depeche Mode.

Fim ou começo da mara? Ainda tinha o busão e o cemitério

 

 

 

 

 

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